A sociedade contemporânea tem avançado cada vez mais em termos de direitos humanos e estratégias de resolução de conflitos intergrupais, porém o preconceito e o racismo ainda são fenômenos intensamente presentes nos dias atuais. Apesar de sua relevância e gravidade como problema social, estes sempre foram percebidos como sendo um problema do outro e, portanto distante, de cada um de nós. Tal fato é verificado em inúmeras pesquisas em diferentes países do mundo. No Brasil, por exemplo, uma pesquisa realizada junto uma amostra representativa da população nacional revelou que 90% dos entrevistados se considera não racista, enquanto uma igual porcentagem de brasileiros acredita que existe racismo no Brasil.
Para Allport (1954), o preconceito pode ser definido como uma atitude hostil contra um indivíduo, simplesmente porque ele pertence a um grupo desvalorizado socialmente. Considerando que existem inúmeros grupos socialmente desvalorizados, existem tantos tipos de preconceitos quantos tipos de grupos minoritários existentes. Dentre estas variadas formas possíveis de preconceito, destaca-se uma em particular, que se dirige a grupos em função das características físicas ou fenotípicas apresentadas por estes – trata-se do preconceito racial.
O racismo, por sua vez, diferentemente do preconceito, se manifesta através de muito mais que uma atitude. Segundo Lima & Vala (2004), o racismo constitui-se num processo de hierarquização, exclusão e discriminação contra um indivíduo ou toda uma categoria social que é definida como diferente com base em alguma marca física externa (real ou imaginada). Existe neste fenômeno uma crença na distinção natural dos grupos, ou prevalece a idéia de que os grupos são diferentes porque possuem elementos essenciais que os constituem como diferentes.
As definições, bem como a natureza e as formas de expressão, do preconceito e do racismo são influenciadas pelas normas sociais presente no contexto social que está sendo analisado. Nos séculos de escravidão e exploração do trabalho, por exemplo, o racismo era expresso de maneira aberta, uma vez que caracterizava as normas sociais de discriminação e exploração vigentes naquele período. Atualmente, depois de uma série de movimentos sociais, históricos e políticos, como a Declaração dos Direitos Humanos em 1948, e a condenação da UNESCO às classificações raciais em 1950, as formas de expressão do preconceito e racismo modificaram-se significadamente. Em consonância com Os Estados Unidos e alguns países da Europa, o Brasil também demonstrou padrões de mudanças nos estereótipos negativos atribuídos aos negros aliado a uma maior força dos estereótipos positivos atribuídos aos mesmos.
Estes dados revelam, ao contrário do que se possa pensar, não o declínio do preconceito contra grupos minoritários, mas sim o surgimento e consolidação de novas formas de preconceito e racismo. Frente às mudanças sociais, pressões da legislação anti-racista, princípios de liberdade e igualdade divulgados pelas democracias liberais, os indivíduos continuam a expressar seus preconceitos, só que de forma mais sutil e velada.
No contexto americano, observar-se a prevalência dos chamados racismos simbólico e moderno. O racismo simbólico representa uma forma de resistência a mudanças no status quo das relações racializadas nos EUA pós Declaração dos Direitos Civis. Sob esta perspectiva, verifica-se a crença de que os negros “estão indo longe demais” na luta por direitos iguais aliada à percepção destes como ameaça econômica ou simbólica à ordem vigente. Já o racismo moderno é representado pela percepção de que os negros estão recebendo mais do que merecem e, conseqüentemente, violando os valores de dominação e controle dos brancos. Ainda no nos Estados Unidos, é facilmente identificável também o racismo aversivo, no qual os indivíduos se auto-definem como igualitários e sem preconceito racial. Os racistas aversivos não discriminam os negros, e até têm atitudes favoráveis em relação a estes, quando se encontram em contextos públicos, onde impera o que é socialmente aceito. No entanto, quando as normas igualitárias não estão explícitas na situação ou existe um contexto que justifica a discriminação, os racistas aversivos discriminam, sim, os negros. O racismo ambivalente, por sua vez, também estudado na cultura americana, considera que os indivíduos brancos podem aderir, por um lado, valores de igualdade e humanitarismo, simpatizando com os negros, que se encontram em pior situação econômica. Por outro lado, a adesão aos valores do individualismo, típicos da ética protestante, desencadearia sentimentos de aversão e atitudes negativas frente aos negros – caracterizando uma relação extremamente ambivalente no que se diz respeito à sentimentos e atitudes em relação aos negros.
O preconceito sutil é estudado, ao contrário dos anteriores, na Europa e tem como alvo minorias culturais advindas de antigas ex-colônias de países europeus. Definido com uma forma mais velada, indireta e disfarçada de preconceito, o preconceito sutil engloba a dimensão da defesa dos valores tradicionais, o exagero das diferenças culturais, numa percepção que o exogrupo é culturalmente muito diferente do endogrupo, e, por fim, a dimensão de rejeição à expressão de simpatia e admiração em relação aos membros do exogrupo.
O preconceito predominante no Brasil apresenta particularidades marcantes, justificadas pela própria composição multi-racial deste país. O racismo cordial, considerado pelos pesquisadores como um tipo de racismo “tipicamente brasileiro”, é definido por Lima & Vala (2004) como uma forma de discriminação contra os cidadãos negros e mulatos, que se caracteriza por uma polidez superficial que reveste atitudes e comportamentos discriminatórios, que se expressam através de relações interpessoais cotidianas, piadas, ditos populares e brincadeiras de cunho “racial”. Assim, o racismo cordial é verificado através de “brincadeiras”, “ sem a intenção de ofender ninguém”, mas com grandes conseqüências, como a intensa discriminação e exclusão das pessoas negras da sociedade.
As novas expressões de preconceito e racismo, listadas acima, apesar de sutis e indiretas, são tão ou mais prejudiciais que as expressões mais abertas e flagrantes, uma vez que, por serem mais difíceis de serem identificadas, são também mais difíceis de serem modificadas ou combatidas. Soma-se a isto, a capacidade de mutação destas formas veladas de preconceito em expressões violentas de fanatismo nacionalista ou xenófobo, quando não se encontram presentes normas de igualdade em um dado contexto.
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