Por que a feiura pesa mais, muito mais, sobre a cútis feminina?
Olhe bem para Hebe Camargo. Ela não é exatamente uma Gisele Bündchen. Nem poderíamos exigir tanto da apresentadora octogenária. Mas Hebe Camargo, com suas madeixas louras, seus diamantes de infinitos quilates e os figurinos muito bem assinados, tem boa aparência. Com as devidas “proporções”, qualidade tão citada nos classificados dos jornais. Exige-se boa aparência para recepcionistas, babás e por aí vai. O mesmo não acontece com motoristas e porteiros. Basicamente porque mulher, mesmo se for competente, precisa ser bonita. E homens, bem, até os mais feios são considerados, no mínimo, interessantes.
Atualmente, enquanto a mulher se torna “velha” e “feia”, homens nem tão bonitos nem tão jovens ganham compensações como “calvo, porém charmoso”, “barrigudo, mas sexy”. O músico Marcelo Camelo e o ator Adrien Brody são os reis dos feios-bonitos. Numa eleição informal (leia box), eles ganharam a briga. Se aplicados os mesmos critérios usados para eleger uma mulher bonita, eles estariam longe do título de semideuses. Um bom exemplo para essa diferença no olhar está mensalmente nas páginas desta revista. Dos 182 ensaios femininos realizados pela Trip (irmã mais velha da Tpm) em 23 anos, apenas oito mulheres tinham mais de 30 anos. Em contraponto, 80% dos ensaios masculinos feitos pela Tpm em oito anos de revista foram com homens que já tinham completado três décadas – ou mais.
"Sou feio segundo os padrões mas me acho lindo" - Wander Wildner .
Seja mulher, seja bonita!
Não ouvimos um “eu sou feia” ao entrevistar mulheres consideradas exóticas, ou fora dos padrões, como por exemplo a cantora e modelo Geanine Marques, musa do estilista Alexandre Herchcovitch. Difícil. Ao mesmo tempo, foi facílimo ouvir a sentença de dois homens feios, porém charmosos, inteligentes. O músico Wander Wildner, 50, autor do disco Eu Sou Feio. mas Sou Bonito!, acredita na beleza além da estética. “Sou feio segundo os padrões, mas me acho lindo!” Para ele, não existe mulher feia. “As pessoas se deixam levar por um conceito de beleza que é pura enganação”, garante. Em uma das canções do disco, o gaúcho faz uma ode ao direito de ser banguelo por fora e elegante por dentro: “Carrego dentro de mim a fina estampa, que os meus tortos dentes não mostram. (.) Não vou gastar meu dinheiro no dentista pra te agradar, não vou colocar dentadura postiça só pra te conquistar”.
Jorge Espírito-Santo, 46, gerente artístico do GNT e conhecido por estar sempre acompanhado de belas mulheres, também não tem medo de assumir a feiura – ou o charme. Para ele também não existe mulher feia, “no fundo, quem está se achando feia anda mal-amada, mal arrumada e com problema de autoestima”, escreve no texto ao lado. A historiadora Mary Del Priore, autora de Corpo a Corpo com a Mulher, acredita que a tolerância feminina à feiura tem a ver com uma questão demográfica. “No Brasil nós temos um número maior de mulheres do que de homens. E, quando você tem dez mulheres para um homem, se esse homem é feio ou bonito não faz tanta diferença”, acredita. A psicanalista Joana de Vilhena Novaes estuda a relação da mulher com a beleza – ou a falta dela – há mais de dez anos. Coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza, da PUC-Rio, ela sentencia: “Para a mulher, ser feia é o que há de pior. É estar totalmente fora do páreo”. Para o homem, essa não é a principal questão. “Sou feio, mas conquisto. Tenho humor, inteligência e charme.”
A partir da visão simplista de que ser magra e bela está ao alcance de todos, a censura aos que estão fora desse padrão passa a ser um preconceito socialmente aceito. Desde pequena você já sabe: “Não se nasce mulher, se aprende a ser mulher”. Sua mãe, indiretamente, parafraseou Simone de Beauvoir enquanto te presenteava com uma maquiagem de brinquedo ou com uma Barbie – representação absoluta do que é ser bela, leia-se magra, esguia e loira.
Desde sempre, mulher é sinônimo de beleza. E, se você é feia, deixou um pouco de ser mulher. Parece até que a natureza não tem nada a ver com isso. E que ter olhos azuis, enfim, é uma questão de escolha. “O mérito atribuído à beleza tornou-se um dever moral. O fracasso não se deve mais a uma impossibilidade mais ampla, mas a uma incapacidade individual”, escreve Joana de Vilhena Novaes em seu livro O Intolerável Peso da Feiura. “Na mulher qualquer desleixo com a aparência é visto como incompetência. A feia é menos mulher, é como se faltasse alguma coisa. Faz parte do feminino aprender a ser bonita, a se cuidar”, completa.
O chavão “toda mulher gosta de se sentir bonita” não é nenhuma mentira. E o questionável, aqui, não é o prazer de cuidar da aparência – e sim quanto isso se tornou uma obrigação e, entre outras coisas, a causa direta de inúmeras doenças ligadas à imagem. Afinal, o modelo de beleza é único. E, se todo mundo pode ser bonita, magra e jovem se assim o quiser, por que o número de anoréxicas, obesas e insatisfeitas com a própria imagem não para de crescer?
Quando Astrid Fontenelle ainda estava na MTV, em meados de 1990, viu de perto uma mudança no padrão de beleza das apresentadoras. Os castings passaram a buscar meninas bonitas com alguma inteligência e certo charme. Astrid sempre soube não ser uma mulher linda. Sabia que era bonita, mas não dentro daquele padrão. “Vendo essa mudança acontecer, trabalhei para ser a mais carismática e inteligente do pedaço”, lembra. O que não quer dizer que a apresentadora não tenha se dobrado a alguns padrões da televisão. Ao longo dos anos, deixou os cabelos mais claros e lisos e ainda botou um aparelho dentário. “Cansei de ser só a mais inteligente. Aprendi a não ter medo de tentar ser mais bonita. Não pra parecer falsa ou mais jovem, mas pra me sentir melhor”, conta.
A ex-jogadora de basquete Hortência é um caso clássico de quem trabalhou para ficar mais bonita. Uma das melhores de sua geração, se sente mais bonita agora do que na época em que arrasava nas quadras. “Nunca precisei da minha beleza pra me sentir bem ou confiante. Era sempre elogiada pela minha atuação no esporte. Mas hoje tenho mais tempo pra me cuidar.” Hortência revela que nunca fez plástica no rosto e visita a academia todos os dias. “Não sou neurótica, mas o meu dia só começa depois da ginástica.”
"Nunca precisei da minha beleza para me sentir bem" - Hortência
Antes de a indústria cinematográfica dar as cartas, ou seja, decretar o que é “uma linda mulher”, a literatura não definia exatamente tal coisa. Falava-se da elegância, da postura, das joias e das roupas, mas não ficava claro se os personagens eram loiros ou morenos, gordos ou magros. O máximo a que se chegava eram aos “pés e mãos pequenos”, das personagens de José de Alencar, e aos “olhos de ressaca” (que não se sabe exatamente o que significam), da Capitu de Machado de Assis. “A elegância feminina era sinônimo de beleza, então não havia essa obsessão por um padrão único. À medida que somos bombardeados por imagens, com o aparecimento das grandes divas do cinema, esses paradigmas vão se consolidando”, explica Mary Del Priore. Ou seja, quando se define o que é bonito, automaticamente tudo que é oposto passa a ser considerado feio.
Hebe Camargo está bem colocada no padrão “loira” e Gisele Bündchen no “alta e magra”. “Eleger mulheres louras como belas não deixa de ser masoquista. É uma loucura um país formado por crianças afrodescendentes ter animadoras de programas infantis que sejam 100% louras. Imagine o efeito que isso faz na autoestima dessas crianças”, finaliza Mary. Não só na autoestima de crianças e jovens, como na de mulheres que só enxergam beleza no que está nas capas da maioria das revistas.
É dos feios que elas gostam mais!
O nariz é grande e com cravos, a barriga saliente e as olheiras escorregam até o pescoço. Alguns têm barriga e orelha de abano. Mas são tão lindos. Não exatamente pela aparência, mas pelo olhar, inteligência, pelo jeito como dão uma coçadinha, de leve, na barba por fazer. Inspirada pelos feios mais lindos do planeta, Tpm fez um concurso informal para eleger homens que têm uma feiura cheia de poréns. O vencedor internacional foi o narigudo Adrien Brody, ganhador do Oscar em 2003 por sua atuação em O Pianista. No Brasil, Marcelo Camelo foi o mais citado. “Nunca me achei feio, assim feião, sabe? Todo mundo acostuma com a própria aparência e tende a se achar normal, nem bonito nem feio. Eu sou meio diferentão, mas sempre achei minha graça”, diz o músico, ex-vocalista e guitarrista da banda Los Hermanos. O ator José Wilker, também citado pelas leitoras que já passaram dos 30, sabe que beleza está além de um rosto bonito: “Talvez eu tenha sido eleito pelas coisas que falo, não pela minha beleza”, palpita.
Os mais citados no concurso de feios, porém bonitos:
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